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quinta-feira, 19 de novembro de 2020

ANTONIO LOBO ANTUNES - A VELHICE

 

Devo estar a ficar velho: …Comecei a gostar de sopa de Nabiças. A apetecer-me voltar mais cedo para casa. A observar, no espelho matinal, desabamentos, rugas imprevistas, a boca entre parêntesis cada vez mais fundos. A ver os meus retratos de criança como se fosse um estranho…
Quando der por mim, encontro o meu sorriso na mesinha de cabeceira, a troçar-me, num copo de água, com 32 dentes de plástico…
Devo estar a ficar velho. E no entanto, sem que me dê conta, ainda me acontece apalpar a algibeira à procura da fisga… Ainda tenho vontade de escrever o meu nome depois de embaciar o vidro com o hálito.
Pensando bem (e digo isto ao espelho), não sou um senhor de idade que conservou o coração de menino. Sou um menino cujo envelope se gastou.

"A Velhice", António Lobo Antunes

Imagem: "Mann mit spiegel (Man with looking glass), 1937, de Karl Hofer (1878-1955)

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

CAETANO VELOSO - FORA DE ORDEM


Fora de Ordem
Caetano Veloso


Vapor barato
Um mero serviçal
Do narcotráfico
Foi encontrado na ruína
De uma escola em construção...

Aqui tudo parece
Que era ainda construção
E já é ruína
Tudo é menino, menina
No olho da rua
O asfalto, a ponte, o viaduto
Ganindo prá lua
Nada continua...

E o cano da pistola
Que as crianças mordem
Reflete todas as cores
Da paisagem da cidade
Que é muito mais bonita
E muito mais intensa
Do que no cartão postal...

Alguma coisa
Está fora da ordem
Fora da nova ordem
Mundial...(4x)

Escuras coxas duras
Tuas duas de acrobata mulata
Tua batata da perna moderna
A trupe intrépida em que fluis...

Te encontro em Sampa
De onde mal se vê
Quem sobe ou desce a rampa
Alguma coisa em nossa transa
É quase luz forte demais
Parece pôr tudo à prova
Parece fogo, parece
Parece paz, parece paz...

Pletora de alegria
Um show de Jorge Benjor
Dentro de nós
É muito, é grande
É total...

Alguma coisa
Está fora da ordem
Fora da nova ordem
Mundial...(4x)

Meu canto esconde-se
Como um bando de Ianomâmis
Na floresta
Na minha testa caem
Vem colocar-se plumas
De um velho cocar...

Estou de pé em cima
Do monte de imundo
Lixo baiano
Cuspo chicletes do ódio
No esgoto exposto do Leblon
Mas retribuo a piscadela
Do garoto de frete
Do Trianon
Eu sei o que é bom...

Eu não espero pelo dia
Em que todos
Os homens concordem
Apenas sei de diversas
Harmonias bonitas
Possíveis sem juízo final...

Alguma coisa
Está fora da ordem
Fora da nova ordem
Mundial...(várias vezes)


quarta-feira, 26 de setembro de 2018

MILTON NASCIMENTO - PAISAGEM DA JANELA



Paisagem da Janela
Milton Nascimento


Da janela lateral do quarto de dormir
Vejo uma igreja, um sinal de glória
Vejo um muro branco e um vôo pássaro
Vejo uma grade, um velho sinal

Mensageiro natural de coisas naturais
Quando eu falava dessas cores mórbidas
Quando eu falava desses homens sórdidos
Quando eu falava desse temporal
Você não escutou

Você não quer acreditar
Mas isso é tão normal
Você não quer acreditar
E eu apenas era

Cavaleiro marginal lavado em ribeirão
Cavaleiro negro que viveu mistérios
Cavaleiro e senhor de casa e árvores
Sem querer descanso nem dominical

Cavaleiro marginal banhado em ribeirão
Conheci as torres e os cemitérios
Conheci os homens e os seus velórios
Quando olhava da janela lateral
Do quarto de dormir

Você não quer acreditar
Mas isso tão normal
Você não quer acreditar
Mas isso tão normal
Um cavaleiro marginal
Banhado em ribeirão
Você não quer acreditar



quarta-feira, 29 de agosto de 2018

FERREIRA GULLAR - NO CORPO




Ferreira Gullar - No corpo

De que vale tentar 
reconquistar com palavras
O que o verão levou
Entre nuvens e risos
Junto com o jornal velho 
pelos ares

O sonho na boca, o 
incêndio na cama, 
o apelo da noite
Agora são apenas esta 
contração (este clarão) 
do maxilar dentro do 
rosto.

A poesia é o presente.

quinta-feira, 21 de abril de 2005

VINICIUS DE MORAES - SONETO DO AMIGO




Soneto do amigo

Vinícius de Moraes

 

"Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.
 
É bom sentá-lo novamente ao lado
Com os olhos que contem o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.
 
Um bicho igual à mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica..."


✌# 15 DE MAIO - DIA INTERNACIONAL DA FAMILIA

  15 de Maio: Dia Internacional da Família. A família é o bem mais precioso que a gente tem. ame, cuide, valorize sua família. ✌# 15 DE M...